Breve revisão histórica
As roupas utilizadas pelos ministros sagrados nas celebrações
litúrgicas são derivadas das vestimentas gregas e romanas. Nos primeiros
séculos, a forma de vestir das pessoas de uma determinada classe social (os honestiores)
foi também adotada para o culto cristão, e esta prática foi mantida na Igreja,
mesmo após a paz de Constantino. Como contado por alguns escritores
eclesiásticos, os ministros sagrados usavam suas melhores roupas,
provavelmente reservadas para a ocasião. ( DEP. DAS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS DO PAPA )
Função e significado espiritual
Além das circunstâncias históricas, os paramentos sacros têm
uma função importante nas celebrações litúrgicas: primeiramente, o fato deles
não serem usados no cotidiano, tendo assim um caráter cultual, ajuda-nos a
romper com o cotidiano e suas preocupações, no momento da celebração do culto
divino. Além disso, as formas largas das vestimentas, como por exemplo da
casula, põem em segundo plano a individualidade de quem as veste, enfatizando
seu papel litúrgico. Pode-se dizer que a “ocultação” do corpo do ministro sob
as vestes, em certo sentido, despersonaliza-o, removendo o ministro celebrante
do centro, para revelar o verdadeiro Protagonista da ação litúrgica: Cristo. A
forma das vestes, portanto, lembra-nos que a liturgia é celebrada in
persona Christi ( ou o próprio Cristo ), e não em próprio nome. Aquele que exerce uma função de culto não atua como indivíduo
por si mesmo, mas como ministro da Igreja e como instrumento nas mãos de Jesus
Cristo. O caráter sagrado dos paramentos provém também do fato de que são
vestidos conforme prescreve o Ritual Romano. ( DEP. DAS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS DO PAPA )
As vestimentas litúrgicas e as orações que acompanham sua
vestidura
1º) No início da preparação, o sacerdote lava as mãos,
recitando uma oração especial; além da questão de higiene, este ato tem também
um significado simbólico profundo, representando a passagem do profano ao
sagrado, do mundo do pecado para o puro Santuário do Altíssimo. Lavar as mãos
equivale, de certa forma, a retirar as sandálias diante da sarça ardente (Êxodo
3:5).
A oração se refere a esta dimensão espiritual:
Da, Domine, virtutem manibus meis ad abstergendam omnem maculam; ut sine
pollutione mentis et corporis valeam tibi servire.
(Dai às minhas mãos, Senhor, o poder de apagar toda mácula:
para que eu vos possa servir sem mácula do corpo e da alma)
2º) Inicia-se com o amito, um pano retangular de linho dotado de
duas fitas, que repousa sobre os ombros junto ao pescoço. O amito destina-se a
cobrir, ao redor do pescoço, a vestimenta utilizada diariamente, ainda que se
trate do hábito do sacerdote. Nesse sentido, é preciso lembrar que o amito
também é usado quando se está vestido com roupas de estilo moderno, que muitas
vezes não apresentam uma grande abertura em torno do pescoço. De qualquer
forma, portanto, as roupas comuns permanecem visíveis e por isso é preciso
cobri-las também, nestes casos, com o amito .
No Rito Romano, o amito é vestido antes da alva (túnica). Ao
vesti-lo, o sacerdote recita a seguinte oração:
Impone, Domine, capiti meo galeam salutis, ad expugnandos
diabolicos incursus.
(Colocai, Senhor, na minha cabeça o elmo da salvação para que
possa repelir os golpes de Satanás)
Com referência à carta de São Paulo aos Efésios 6.17, o amito
é interpretado como "o elmo da salvação”, que deve proteger o portador das
tentações do demônio, em especial de pensamentos e desejos malévolos durante a
celebração litúrgica. Este simbolismo é ainda mais evidente no costume seguido
desde a Idade Média pelos monges beneditinos, franciscanos e dominicanos,
entre os quais o amito era posicionado sobre a cabeça e deixado recair sobre a
casula ou a dalmática.
3ª) A alva consiste na veste longa e branca utilizada por todos
os ministros sagrados, e que representa a nova veste imaculada que todo
cristão recebe mediante o batismo. A alva é portanto um símbolo da graça
santificante recebida no primeiro sacramento, e é considerada também um
símbolo da pureza de coração necessária para o ingresso na graça eterna da
contemplação de Deus no céu (cf. Mateus 5:8).
Isso é expresso na oração
recitada pelo sacerdote enquanto veste a peça, oração que se refere ao
Apocalipse 7,14:
Dealba me, Domine, et munda cor meum; ut, in sanguine Agni
dealbatus, gaudiis perfruar sempiternis.
(Revesti-me, Senhor, com a túnica de pureza, e limpai o meu
coração, para que, banhado no Sangue do Cordeiro, mereça gozar das alegrias
eternas)
4º) Sobre as vestes, na altura da cintura, é colocado o cíngulo,
um cordão de lã ou outro material apropriado, que é usado como cinto.
Todos os oficiantes que portam a alva devem também portar o
cíngulo (esta prática tradicional é hoje frequentemente ignorada) [5].
Para diáconos, sacerdotes e bispos, o cíngulo pode ser de
cores diferentes, de acordo com o tempo litúrgico ou a memória do dia. No
simbolismo das vestes litúrgicas, o cíngulo representa a virtude do
auto-controle, que São Paulo enumera entre os frutos do Espírito (cf. Gálatas
5:22).
A oração correspondente, como na Primeira Carta de Pedro 1,13, diz:
Praecinge me, Domine, cingulo puritatis, et exstingue in lumbis meis humorem
libidinis; ut maneat in me virtus continentiae et castitatis.
(Cingi-me, Senhor, com o cíngulo da pureza, e extingui nos
meus rins o fogo da paixão, para que resida em mim a virtude da continência e
da castidade)
5) O manípulo é um paramento litúrgico usado nas celebrações
da Santa Missa segundo a forma extraordinária do Rito Romano; caiu em desuso
nos anos da reforma litúrgica, embora não tenha sido abolido. É semelhante à
estola, mas de menor comprimento, inferior a um metro, e é fixado por meio de
presilhas ou fitas como as da casula. Durante a Santa Missa em sua forma
extraordinária, o celebrante, o diácono e subdiácono o portam sobre o
antebraço esquerdo. É possível que este paramento derive de um lenço (mappula)
utilizado pelos romanos amarrado ao braço esquerdo. Uma vez que era utilizado
para enxugar as lágrimas e o suor da face, escritores eclesiásticos medievais
atribuíram ao manípulo um simbolismo associado às fadigas do sacerdócio.
Esta
leitura também está presente na oração de sua vestidura:
Merear, Domine, portare manipulum fletus et doloris; ut cum
exsultatione recipiam mercedem laboris.
(Fazei, Senhor, que mereça trazer o manípulo do pranto e da
dor, para que receba com alegria a recompensa do meu trabalho)
Como se vê, no início da oração mencionam-se as lágrimas e a
dor que acompanham o ministério sacerdotal, mas a segunda parte do texto
refere-se aos frutos do próprio trabalho. Não será fora de propósito recordar
a passagem de um salmo que pode ter inspirado esta segunda simbologia
referente ao manípulo, visto que a Vulgata assim apresentava o Salmo
125,5-6: " Qui seminant in lacrimis inexultatione metent; euntes ibant
et flebant portantes semina sua, venientes autem venient inexultatione portantes manipulos suos"
(grifo nosso).
6ª) A estola é o elemento distintivo de um ministro ordenado e
é sempre usada na celebração dos sacramentos e sacramentais. É uma faixa de
tecido, em geral bordado, cuja cor varia de acordo com o tempo litúrgico ou
o dia santo.
Ao vesti-la, o sacerdote recita a seguinte oração:
Redde mihi, Domine, stolam immortalitatis, quam perdidi in
praevaricatione primi parentis; et, quamvis indignus accedo ad tuum sacrum
mysterium, merear tamen gaudium sempiternum.
(Restitui-me, Senhor, a estola da imortalidade, que perdi na
prevaricação do primeiro pai, e, ainda que não seja digno de me abeirar dos
Vossos sagrados mistérios, fazei que mereça alcançar as alegrias eternas)
Dado que a estola é um paramento de suma importância,
indicando mais do que qualquer outro a condição de ministro ordenado, não se
pode deixar de lamentar o abuso, já largamente difundido, por parte de alguns
sacerdotes, que não a usam em conjunto com a casula [6].
Casula ou planeta mais visto |
Casula Romana - Rito Extraordinário | FRENTE |
Casula Romana - Rito Extraordinário TRÁS |
E, de fato, a oração com a qual se veste a casula cita as palavras do Senhor contidas em Mateus 11,30:
Domine, qui dixisti: Iugum meum suave est, et onus meum
leve: fac, ut istud portare sic valeam, quod consequar tuam gratiam. Amen.
(Senhor, que dissestes: O meu jugo é suave e o meu peso é
leve, fazei que o suporte de maneira a alcançar a Vossa graça. Amém)
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Em conclusão, espera-se que a redescoberta do simbolismo
associado aos paramentos e suas orações incentive os sacerdotes a retomar a
prática da oração durante a vestição, de modo a se preparar com o devido
recolhimento à celebração litúrgica. Se é verdade que é possível rezar com
diferentes orações, ou ainda simplesmente elevando a mente a Deus, por outro
lado, os textos da oração de vestição trazem a brevidade, a precisão de
linguagem, a inspiração da espiritualidade bíblica e o fato de que são rezados
pelos séculos por um número incontável de ministros sagrados. Estas orações
são recomendadas ainda hoje, para a preparação da celebração litúrgica, e
também realizadas de acordo com a forma ordinária do Rito Romano.
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